fonte: Folha de SP
De quem é a responsabilidade pelo aumento dos custos da saúde privada, que atende 24,5% da população brasileira? Dos planos, que têm reajustado suas mensalidades muito acima da inflação geral ou dos prestadores de serviço, como médicos, hospitais e a indústria de produtos de saúde, por desperdícios e fraudes?
Diversos indicadores apontam que os preços da saúde crescem mais rapidamente do que nos outros setores. Em diversos fóruns, inclusive nos seminários de saúde promovidos pela Folha, tem sido frequente um “player” apontar o dedo para outro “player” quando se trata de encontrar responsáveis pelo aumento de custos.
Os embates se acirraram mais neste momento de crise econômica, em que os planos perderam 2,7 milhões de usuários nos últimos dois anos mas que o número absoluto de consultas, exames e internações continuou a crescer aumentando os custos do setor. Para as operadoras, isso é indício de excesso de indicação de exames, fraudes e desperdícios por parte dos prestadores de serviços.
Na segunda-feira, dia 2, duas associações, de hospitais privados (Anahp) e da indústria farmacêutica (Interfarma), lançaram um relatório com o propósito de esmiuçar os custos da cadeia da saúde e colaborar para um “debate mais transparente”.
“Ou estamos todos juntos, entendendo que não haverá soluções apenas para alguns, ou ficaremos presos ao jogo da transferência de responsabilidades enquanto a crise se agrava, com aumento das dificuldades financeiras e de gestão do setor público, perda de eficiência e sustentabilidade no setor privado e, acima de tudo, o aumento do drama diário dos brasileiros decorrente da falta de acesso e qualidade da assistência à saúde”, diz um trecho do relatório.
Mas a proposta de debate começou mal. Em nota, a Abramge (associação dos planos de saúde) disse estranhar a realização e divulgação do estudo sem que as entidades que representam as operadoras fossem convidadas para debater. A queixa tem sentido. Quase a totalidade (94%) das receitas dos hospitais da Anahp vêm dos planos de saúde.
No relatório, as entidades dizem que fraudes e desperdícios devem ser combatidos, mas que não há evidências de que estejam aumentando ou que sejam responsáveis pele elevação dos custos da saúde. Em março deste ano, um estudo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) mostrou que até 20% dos gastos das operadoras de saúde (o equivalente a R$ 22,4 bilhões) com contas hospitalares e exames decorrem de fraudes e desperdícios com procedimentos desnecessários. A metodologia do trabalho foi duramente criticada pelo setor.
Os hospitais dizem que quase metade de suas despesas está relacionada a pessoal, cujo custo depende de reajustes salariais e da oferta de mão de obra bastante especializada e cara. Insumos e fatores como logística, água, luz e despesas financeiras responderiam pelo restante das despesas. Queixam-se ainda que glosas e atrasos no pagamento por parte dos planos têm grande impacto no item “despesas financeiras”, que cresceu nos últimos anos.
A indústria de medicamentos alega que os reajustes dos preços dos remédios têm ficado abaixo dos aumentos autorizados para os planos de saúde. De 2009 a 2016, o faturamento dos planos de saúde cresceu 146%, contra 100% do mercado farmacêutico (exceto público). No mesmo período, a participação dos medicamentos no faturamento dos planos caiu 19%.
Em resumo, o relatório aponta que os preços dos planos de saúde são os que mais elevam os custos totais da saúde. De acordo com o documento, eles pouco investem em promoção da saúde e prevenção de doenças, o que incentiva a população a buscar mais consultas e fazer mais exames.
Outro fator de aumento de custo estaria relacionado à mudança do perfil epidemiológico (envelhecimento da população e maior ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis), que propicia aumentos de frequência de uso do plano e de complexidade nos procedimentos realizados.
O relatório criticou também um índice divulgado pelo IESS, o VCMH (Variação de Custos Médico-Hospitalares) por não retratar fidedignamente a evolução dos custos de saúde no país. Em nota, o IESS defende a metodologia aplicada ao VCMH e diz que ela é reconhecida internacionalmente e usada na construção de índices de variação de custo em saúde nos Estados Unidos.
Em alguns pontos, todos os elos da cadeia da saúde concordam: o atual modelo de remuneração (fee-for-service) estimula o aumento de custos e é preciso que haja mudança para uma forma de remuneração que privilegie qualidade, eficiência e os melhores desfechos clínicos para os pacientes.
A questão é que nesse jogo de empurra-empurra ninguém quer abrir mão do seu quinhão. A situação remete à fábula dos dois burros que tentam alcançar dois montes de feno. Amarrados com uma corda muito curta, cada um puxa para o seu lado e nenhum consegue alcançar o capim. Até que eles percebem que, juntos, poderiam comer os dois montes de feno. Pelo o que parece, os “players” da saúde se recusam a aprender essa lição.